A César o que é de César: conceitos e trajetórias da tolerância e da laicidade na relação Estado-Igreja no Brasil

Abstract

O estado democrático de direito alicerça-se na garantia da dignidade da pessoa humana, princípio mor das constituições contemporâneas. Dentro de um contexto democrático parte-se da premissa de que o cidadão tem condições para desenvolver a sua individualidade sem imposições, refletindo-se num exercício maduro e lúcido no âmbito pessoal, social e político. Tal exercício supõe, como sua condição de possibilidade, um espaço de autonomia consciencial que garanta ao cidadão a capacidade de construção de uma identidade, seja religiosa ou arreligiosa, sem imposições. O espaço de autonomia consciencial é, por sua vez, garantido pelo respeito ao princípio da laicidade e da afirmação da liberdade de consciência. A interação estado-cidadão-sociedade assume importância ímpar no incremento da cultura da liberdade sadia, fundada na participação política, no cumprimento dos deveres, no apreço aos direitos individuais e no diálogo e partilha multicultural. Neste contexto, confrontamo-nos com uma dupla tarefa, essencial para compreender e articular a democracia e os direitos fundamentais: por um lado, a tarefa de identificar e compreender qual o papel da tolerância na redução dos conflitos; por outro, a tarefa de perceber o que pode e deve ser feito para ampliar, qualitativamente, esse considerável mecanismo de harmonização social. Neste sentido, propomo-nos a investigar o nascimento e desenvolvimento da tolerância na Europa e dimensionar suas diversas concepções, suportando-nos num estudo analítico sobre a laicidade praticada no Brasil, ao longo de sua história. Assim, a partir desta análise pretendemos a) propor o conceito de tolerância consciencial, baseada principalmente no respeito à liberdade de consciência, na autonomia e no diálogo crítico; b) ressaltar a importância do respeito à laicidade como um fundamento do estado democrático de direito; c) determinar conteúdos e diretrizes metodológicas (com ênfase na educação em direitos humanos e na ausência de proselitismos na escola) capazes de fomentar nas crianças e nos jovens o conhecimento sobre a história das religiões e da intolerância religiosa, a abertura de espírito de forma crítica, a construção do diálogo positivo e a criação de laços fraternais baseados na empatia; d) e enfocar outras atitudes que possibilitem estimular a inserção, na realidade da sociedade, do conceito propositivo da tolerância como “harmonia na diferença”, presente na Declaração de Princípios sobre a Tolerância, aprovada pela UNESCO em 1995.

The democratic state of right supports itself in the guarantee of human person’s dignity, which is the guiding principle of contemporary constitutions. Within a democratic context the starting premise is that the citizen has sufficient conditions to develop his individuality without impositions, therefore translating itself in a mature and lucid exercise in the personal, social and political dimensions. Such exercise assumes, as its own condition of possibility, the existence of a space of consciential autonomy that will grant the citizen the capacity to construct an identity without impositions, being it religious or non-religious. This space of consciential autonomy is guaranteed by respecting the principle of laicism and by affirming freedom of conscience. The interaction state-citizen-society acquires an outstanding importance in promoting a healthy culture of liberty, founded on political participation, duties’ fulfillment, recognition of individual rights and multicultural dialogue. Under this light our task is multiple. To start with, we must understand what can and what should be done in order to qualitatively improve this mechanism of social harmonization. As such, we propose to investigate the birth and development of tolerance in Europe, dimensioning its different conceptualizations and supporting ourselves in an analytical study about laicism in Brazil throughout its history. Thus, from this analysis we will: a) propose the concept of consciential tolerance, grounded on the respect of freedom of conscience, autonomy and critical dialogue; b) underline the importance of respecting laicism as a foundation of democratic state of Right; c) determine contents and methodological matrixes (emphasizing education on human rights and absence of religious references at school) capable of promoting children’s and young people’s knowledge about history of religions, religious intolerance, critical openness of mind, construction of a positive dialogue and creation of fraternal bounds based on empathy; d) aside form other attitudes that can stimulate the integration of our concept of tolerance as ‘harmony in difference’, as exposed in the Declaration of Principles on Tolerance, approved by UNESCO in 1995.

L’Etat de droit démocratique est fondé sur la garantie de la dignité humaine, principe supérieur des constitutions contemporaines. Dans un contexte démocratique, on part du principe que le citoyen est en mesure de développer leur individualité sans contraintes, ce qui reflète un exercice de maturité et de lucidité dans les sphères personnelle, sociale et politique. Un tel exercice, tout comme sa condition de possibilité, suppose un espace d'autonomie de la conscience qui garantit aux citoyens la possibilité de construire librement une identité, qu’elle soit religieuse ou non. L'espace d'autonomie de la conscience est, à son tour, garanti par le respect du principe de laïcité et par l'affirmation de la liberté de conscience. L'interaction citoyen-État-société assume une importance capitale dans l'amélioration de la culture de la liberté saine basée sur la participation politique, sur l'exercice de ses fonctions, sur l'appréciation des droits individuels et sur le dialogue et le partage multiculturels. Dans ce contexte, nous sommes confrontés à une double tâche, essentielle pour comprendre et articuler la démocratie et les droits fondamentaux: d'une part, une tâche pour identifier et comprendre le rôle de la tolérance dans la réduction des conflits et, d'autre part, une tâche pour réaliser ce qui peut et doit être fait pour développer qualitativement, cet important mécanisme d'harmonisation sociale. En ce sens, nous nous proposons d'étudier la naissance et le développement de la tolérance en Europe et d’évaluer les différents concepts, en nous basant sur une étude analytique de la laïcité pratiquée au Brésil tout au long de son histoire. A partir de cette analyse, nous avons l’intention: a) de proposer le concept de tolérance de la conscience, basée principalement sur le respect de la liberté de conscience, de l'autonomie et du dialogue critique, b) de souligner l'importance du respect de la laïcité comme fondement de L’Etat de droit démocratique, et c) de déterminer le contenu et les orientations méthodologiques (en mettant l'accent sur l'éducation des droits de l'homme et sur l'absence de prosélytisme à l'école) capables de développer, chez les enfants et chez les jeunes, les connaissances sur l'histoire des religions et sur la non-tolérance religieuse, l’ouverture d'esprit critique, la construction d'un dialogue positif et la création de liens fraternels fondées sur l'empathie, d) et d’aborder d'autres attitudes qui permettent d'encourager l'insertion dans la réalité de la société, le concept propositionnel de la tolérance comme «l'harmonie dans la différence», attitudes et concepts que l’on retrouve dans la Déclaration des Principes sur la Tolérance, Déclaration adoptée par l'UNESCO en 1995.