A teodiceia do universo interior: o conhecimento de si como conhecimento cósmico em Sêneca

Abstract

O presente estudo tem por finalidade demonstrar o papel preeminente que a alma humana ocupou no pensamento filosófico de Sêneca. Para tanto, analisaram-se os seus escritos, assim como as tradições filosóficas com que Sêneca contactou. A compreensão teórica da natureza da alma humana, da sua origem, formas e disposições, sobretudo no âmbito de uma ciência que tem no conhecimento de si o seu principal objetivo, e a compreensão prática da alma, que se manifestou através da terapêutica das paixões e dos vícios, foram igualmente abordadas. Estudou-se a psicologia de Sêneca, nomeadamente teoria da representação do mundo exterior. Estudaram-se também as consequências das noções psicológicas de Sêneca, como a capacidade de o sujeito se autodeterminar pelos valores do bem e da virtude, que lhe são conaturais. Exploraram-se algumas conexões entre a psicologia do indivíduo e a cosmologia metafísica. A figura do sábio é decisiva na relação entre doutrina moral, noções psicológicas e metafísica. Analisaram-se os escritos de Sêneca sobre a hipotética capacidade de a alma humana poder abarcar a vida cósmica. Enfatizou-se a tese mais importante de Sêneca a este respeito: a compreensão da alma tem o seu fundamento na experimentação final no si mesmo, porque a natureza moral da alma está baseada na razão, e é isso que lhe permite alcançar um acordo interior com o todo cósmico. É nesta base que se apoia a possibilidade de uma vida em harmonia, isto é, feliz. Os conceitos decisivos da obra de Sêneca que aqui são estudados, como os de espaço, tempo, evento e natureza física, derivam todos, em última instância, da representação que o sujeito moral tem de si mesmo, e, por conseguinte, estão dependentes de uma ciência do si, de onde emerge a própria revelação da existência como um bem ou um mal. Aqui, o conhecimento das muitas tradições acerca da alma das escolas da Filosofia Antiga tem uma grande importância. Por tudo isso, defende-se aqui que Sêneca foi um pensador que ultrapassou a condição normal de filósofo, bem como de filósofo estoico, tendo sido um estudioso profundo da condição humana. Em complemento, propõe-se também uma exploração dos interesses ecléticos de Sêneca, incluindo o conhecimento da natureza. Mostrar-se-á que esse conhecimento foi usado na exploração que Sêneca fez da profundidade da alma. Concluímos com a defesa da tese de que a ciência de si e o cuidado de si foram para Sêneca os assuntos principais da sua atividade filosófica, porquanto a alma humana está acima das condições contingentes, que são para ela menos reais ou indiferentes.

The purpose of this study is to demonstrate the pre-eminent role that the human soul played in Seneca's philosophical thought. To this end, his writings were analyzed, as well as the philosophical traditions with which Seneca came into contact. The theoretical understanding of the nature of the human soul, its origin, forms and dispositions, especially within the scope of a science that has self knowledge as its main objective, and the practical understanding of the soul, which manifested itself through the therapy of passions and vices, were also addressed. Seneca's psychology was studied, namely the theory of representation of the external world. The consequences of Seneca's psychological notions were also studied, such as the subject's ability to self-determine through the values of good and virtue, which are connatural to him. Some connections between the psychology of the individual and metaphysical cosmology were explored. The figure of the wise man is decisive in the relationship between moral doctrine, psychological notions and metaphysics. Seneca's writings were analyzed on the hypothetical capacity of the human soul to embrace cosmic life. Seneca's most important thesis in this regard was emphasized: the understanding of the soul has its foundation in the final experimentation within oneself, because the moral nature of the soul is based on reason, and this is what allows it to reach an inner agreement with the cosmic whole. It is on this basis that the possibility of a harmonious, that is, happy, life is supported. The decisive concepts of Seneca's work that are studied here, such as those of space, time, event and physical nature, all derive, ultimately, from the representation that the moral subject has of himself, and, therefore, are dependent on a science of the self, from which the very revelation of existence as a good or an evil emerges. Here, knowledge of the many traditions about the soul of the schools of Ancient Philosophy is of great importance. For all this, it is argued here that Seneca was a thinker who went beyond the normal condition of a philosopher, as well as a Stoic philosopher, having been a profound student of the human condition. In addition, an exploration of Seneca's eclectic interests is also proposed, including knowledge of nature. It will be shown that this knowledge was used in Seneca's exploration of the depths of the soul. We conclude with the defense of the thesis that self-science and self-care were for Seneca the main subjects of his philosophical activity, as the human soul is above contingent conditions, which are less real or indifferent to it.