Políticas de educação profissional de nível médio no Brasil nos anos 2002-2008: resistência, acomodação e adesão dos atores no terreno das práticas: um estudo de caso

Abstract

Esta tese trata do modo como os atores de uma instituição interpretaram, reagiram e atuaram face as políticas atuais de educação profissional de nível médio no Brasil. Procurou-se, num primeiro momento, contextualizar essas medidas relacionando-as com as novas configurações do capitalismo, assumidas pela globalização e reestruturação produtiva e que trazem novas exigências para os trabalhadores/sujeitos. Um contexto de incertezas no mundo do trabalho devido às mudanças no mundo do capital é acompanhado de uma série de recomendações em diversos documentos produzidos em âmbito global para a formação profissional devido à importância estratégica conferida à aproximação entre educação e trabalho. A formação de jovens e adultos trabalhadores configura-se diferenciada, conforme a região do globo onde está localizada. Ao relacionarmos a educação profissional com processos de globalização, buscamos levantar os principais momentos, documentos e orientações das organizações internacionais para a educação profissional e documentar como foram incorporados ou rejeitados nos documentos normativos. A eleição de 2002 levou ao poder um projeto de governo aliado aos movimentos populares e que visava inserir o país em uma posição de protagonismo e a não subordinação na trama internacional. A ideia de crescimento econômico aliado à justiça social impulsionou uma série de medidas que passavam também pela educação. Uma das medidas, que visava a formação dos trabalhadores, relaciona-se com a política do ensino médio integrado, concebida em diversos fóruns e movimentos sociais, originados desde a década de 1980 e que visava fornecer uma sólida formação científica/humanística aliada a uma qualificação profissional para os trabalhadores, conforme conceitos desenvolvidos por Gramsci. Entretanto, como pôde ser constatado nesta investigação, essa medida, materializada por meio do Decreto 5.154/04, ocupou um espaço reduzido no meio de uma série de outros programas e outras medidas políticas relacionadas à formação profissional, pois opôs-se às políticas hegemônicas de educação profissional direcionadas ao mercado de trabalho e que apenas instrumentalizavam para a reprodução social. Além de desenvolvermos análises que envolveram os diferentes espaços e arenas, globais e locais, referentes à educação profissional, abordamos uma instituição, através de uma breve descrição sócio-histórica, enquanto espaço onde ocorreu a investigação, o campus Luz do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia Alfa. Mobilizamos a proposta de análise do ciclo político, desenvolvida por Stephen Ball, e nos detivemos nas perspetivas e relações aí existentes, ao dar voz aos sujeitos que tiveram que interpretar, aplicar ou executar as políticas de educação profissional por via das quais a instituição passou por um processo chamado cefetização, entre os anos 2002 e 2008. Nessa nova institucionalidade, a escola, identificada historicamente com a oferta de educação profissional de nível médio, teve a possibilidade de oferecer também ensino superior e realizar pesquisa aplicada. O principal instrumento de coleta de dados utilizado, além das fontes secundárias, como fontes bibliográficas e documentais, foi a entrevista semiestruturada aos atores que vivenciaram o desenvolvimento das políticas educativas no período referenciado. As conclusões relativas ao desenvolvimento das recentes políticas, de acordo com as perspectivas dos entrevistados, levam a crer que a instituição vivenciou um movimento heterogêneo, primeiro de resistência, devido à impossibilidade da oferta do ensino técnico, depois de acomodação e posteriormente de adesão, devido à possibilidade do oferecimento de cursos superiores e desenvolvimento de pesquisas aplicadas. Portanto, julgamos perceber que, mesmo em uma instituição que tem sua origem voltada à formação do trabalhador, não é mais esse o perfil desejado, o que pode aprofundar ainda mais a histórica dualidade educacional, tão presente na realidade brasileira.

This thesis addresses the way in which players in an institution interpreted, reacted and acted in the face of current secondary professional education policies in Brazil. It sought, firstly, to contextualize these measures by relating them with the new configurations of capitalism, adopted by globalization and the productive restructuring that has brought forth new demands from workers/subjects. A context of uncertainty around the labor market due to the changes in the world of capital is accompanied by a series of recommendations throughout various documents produced in a global context for vocational training due to the strategic importance given to the approximation between education and work. Training for both young people and working adults presents differences depending on the region of the world where they are located. By relating professional education with the processes of globalization this study aims to survey the key moments, documents and orientations for vocational education from international organizations and document how these have been incorporated or rejected in legislative documents. The 2002 election brought into power a governmental project that allied itself with popular movements and aimed to insert the country into the position of a protagonist instead of a submissive agent on the international stage. The idea of economic growth combined with social justice promoted a series of measures that included education. One of these measures, aimed at the training of workers, is related to the integrated secondary school policy, designed in various forums and social movements, started in the 1980’s, that aimed to provide sturdy scientific/humanistic training combined with a professional qualification for workers, in accordance to concepts developed by Gramsci. Meanwhile, as is stated in this study, this measure, having been materialized by Decreto 5.154/04, occupied a restricted space in the middle of a series of other programs and political measures pertaining to professional education, as it opposed the hegemonic professional education policies aimed at the job market and that merely instrumented for social reproduction. In addition to developing an analysis that involved the different spaces and arenas, global and local, pertaining to professional education, this study addresses an institution, through a brief sociohistoric description, as a space where the investigation occurred, the Luz do Instituto de Educação , Ciência e Tecnologia Alfa campus. We mobilized the proposal for the analysis of the political cycle, developed by Stephen Ball, and emphasizing the perspectives and relationship therein, by giving voice to the subject that had to interpret, apply or execute the professional education policies by which the institution underwent a process called “cefetização”, between the years of 2002 and 2008. In this new institutionality the school, historically identified as offering secondary vocational education, had the possibility of also offering higher education and of conducting applied research. The main data collection instrument used, other than secondary sources such as bibliographic and documental sources, was the semi-structured interview of players that experienced the development of education policies in the referred time period. The conclusions relative to the development of recent policy, according to the outlooks of the interviewees, led to believe that the institution experienced an heterogeneous movement, at first of resistance, due to the impossibility of offering technical training, then of accommodation and, subsequently, of adherence, due to the possibility of offering higher education and developing applied research. As such, we believe that, even in an institution with its origins rooted in the training of workers, that is no longer the desired profile, which may further the historic educational divide, so present in the Brazilian reality.