O imaginário internacional a partir da primeira página: o contributo da Revista Seara nova na transição da ditadura para a democracia em Portugal

Abstract

Fundada em 1921, a revista Seara Nova destaca-se no panorama mediático português não apenas pela sua longevidade. Durante anos, foi um dos símbolos da resistência ao regime ditatorial liderado por António Salazar (1926-1968) e Marcelo Caetano (1968-1974), sobrevivendo a inúmeras censuras e atentados à liberdade de expressão, com uma proposta editorial que noticiava os problemas do país e diversas situações que marcavam a atualidade internacional e com um olhar atento aos países africanos de língua oficial portuguesa. A partir de uma delimitação temporal (1959-1979) e abordando apenas duas temáticas – a cobertura de assuntos da África de língua portuguesa e os acontecimentos internacionais – este artigo observa a mediatização destes assuntos retratados na primeira página da revista Seara Nova. A análise efetuada às 225 edições, ao longo de duas décadas, permite concluir, por exemplo, que os assuntos internacionais ocupavam um espaço diminuto, mas relevante do ponto de vista editorial. O líder cubano Fidel Castro surge como figura mais vezes retratada, ao mesmo tempo que alguns conflitos militares e políticos menos mediáticos, como o Perú, Chile e a República Dominicana também surgem com frequência. A revista esteve, ainda, atenta aos feitos científicos da altura, como a chegada do Homem à Lua, e manifestou sempre um interesse claro pela literatura, com a recusa do Nobel por Sarte, a morte de Albert Camus ou a passagem de Jorge Amado por Portugal, assim como as mudanças de poder nas ex-colónias. Esta investigação sugere, por fim, que a revista sobreviveu ao regime ditatorial e que a transição para a democracia foi relativamente inócua para o tratamento de assuntos internacionais.

Founded in 1921, the Seara Nova magazine stands out in the Portuguese media landscape not only for its longevity. For years, it was one of the symbols of resistance to the dictatorial regime led by António Salazar (1926-1968) and Marcelo Caetano (1968-1974), surviving countless censures and attacks on freedom of expression, with an editorial proposal that reported the problems of the country and various situations that marked the international news and with a close look at the Portuguese-speaking African countries. Based on a temporal delimitation (1959-1979) and addressing only two themes – the coverage of issues of Portuguese-speaking Africa and international news – this article observes the mediatisation of these issues portrayed on the front page of the Seara Nova magazine. The analysis of 225 editions over two decades leads to the conclusion, for example, that international affairs occupied a small but relevant space from an editorial point of view. The Cuban leader Fidel Castro is the figure most frequently portrayed, while less media-friendly military and political conflicts, like those in Peru, Chile and the Dominican Republic, also appear frequently. The magazine was also attentive to the scientific achievements of the time, such as Man on the Moon, and always showed a clear interest in literature, mentioning the refusal of the Nobel Prize by Sarte, the death of Albert Camus or the passage of Jorge Amado through Portugal, as well as the changes in power in the former colonies. This research suggests, finally, that the magazine survived the dictatorial regime and that the transition to democracy was relatively innocuous in its treatment of international affairs.