Sociabilidade e tolerância em Locke

Abstract

A análise da filosofia política de Locke apresenta alguns signos suficientes para clarificar que a sua concepção de sociedade civil revela uma conotação distinta da dos seus predecessores. Numa cosmovisão jusnaturalista, o filósofo empirista inquire as dimensões do individualismo metodológico e a sua expressão política liberal, na fundamentação do conceito de sociedade civil; ademais, a concepção de “estado de natureza” afasta-se da sustentada por Hobbes (sinónima de guerra, anarquia e infelicidade), a qual circunscreve os humanos a um horizonte individualista (na sua natureza e paixões), sem referência a um contexto social. Ora, em Locke, o estado pré-estatal não é visto como um estado a-social, mas como uma (embora incipiente) forma que se caracteriza pelo predomínio de relações sociais reguladas por leis naturais; isto, conjugado com um paradigma político, cuja matriz implica a afirmação de direitos naturais (liberdade, igualdade, propriedade), poderes separados e um poder limitado, a apologia da tolerância, mostra que é a partir das relações sociais naturais que os indivíduos têm a capacidade para edificar e erigir - mediante o contrato - as ulteriores estruturas políticas. Então, a propensão para a sociabilidade e reciprocidade, próprias do “estado de natureza”, antecede a formação da sociedade civil, sendo esta dilucidada, por Locke, como superação de uma sociabilidade imperfeita própria daquele, que, como tal, não se inscreve na continuidade do "status naturae" hobbesiano, mas prefigura mais propriamente a "bürgerliche Gesellschaft" de Hegel.