A linguagem figurativa na pedagogia vocal coral infantil: Um estudo de caso múltiplo

Abstract

O ato de cantar comporta uma realidade múltipla tal como tem sido tratada por diversos autores: salienta-se o ato de cantar como um processo psicomotor, como um comportamento social gerado pela atividade vocal, bem como um processo de autodesenvolvimento proporcionado pela descoberta do instrumento vocal e das suas capacidades expressivas e comunicacionais desde a primeira infância. Esta dimensão multifacetada da voz, torna-a um veículo privilegiado de aprendizagem musical e desenvolvimento artístico, reunindo num mesmo processo a mobilização, fortalecimento e refinamento dum impulso psicomotor, com a capacidade de comunicação de emoções, pensamentos e valores estéticos. A condição invisível do instrumento vocal tem, tradicionalmente, levado ao recurso à linguagem figurativa e à imagética como facilitadores de indicações técnicas e ferramentas de melhoria de performance, como atestam estudos desenvolvidos com alunos de canto e com coros de adultos. A ausência de estudos centrados na resposta percetiva das crianças ao discurso metafórico no ensino coral foi a motivação central para este estudo, tendo-se este focado no uso e utilidade desta prática pedagógica. Partiu-se da questão será a linguagem figurativa realmente potenciadora da aquisição e desenvolvimento de competências musicais em crianças e, se sim, de que modos?. Para dar resposta a esta questão a investigação desenvolveu-se segundo uma metodologia qualitativa sob a forma de um estudo de caso múltiplo. Estudaram-se dois casos no ensino oficial de música, nos ramos genérico e especializado, envolvendo seis professores e sete turmas, com crianças entre os 6 e os 18 anos. Tendo como objetivos gerais aferir as circunstâncias, prevalência e vantagens do uso de linguagem figurativa na pedagogia coral infantil e juvenil, através da identificação das estruturas conceptuais e esquemas mentais presentes no discurso figurativo dos professores, inferindo a sua influência na perceção musical e na aquisição de competências técnicas e interpretativas, o estudo procurou também, promover a discussão acerca dos modos e processos através dos quais o ensino do canto coral é praticado e integrado na formação musical escolar de crianças e jovens em Portugal. Partindo de um aprofundado estudo bibliográfico, os principais instrumentos de recolha de dados foram entrevistas a professores dos ramos de ensino genérico e especializado e a coralistas, complementadas com observação de aulas e ensaios. A análise dos dados foi de base indutiva e interpretativa, tornando possível reconhecer a função didática da linguagem figurativa, identificando-se um sentido pragmático de pendor técnico-expressivo na utilização de imagens e metáforas como estratégia pedagógica. Concluiu-se que o discurso figurativo assume nos casos em estudo uma função retórica, agregadora e metacognitva reconhecida por professores e crianças, com predominância no ensino especializado, estando residualmente presente no ensino genérico. Ao induzir e sugerir sensações físicas para um resultado técnico e acústico previsível, a linguagem figurativa utilizada nestes contextos radica-se nas referências metafóricas de raiz sensoriomotora dos indivíduos e permitiu a aquisição de competências técnicas e interpretativas. Situando-se nos contextos de vida, essa prática influi quer o discurso pedagógico quer a descodificação do mesmo, facto realçado pelas crianças participantes neste estudo. Tal permite concluir que o sentido coletivo das imagens e metáforas é entendido por cada criança em contexto coral, conforme a sua vivência, quadro conceptual ou simbólico, proporcionando um espaço de intersubjetividade - a prática musical transformada – no qual cada um participa de uma aprendizagem musical global, significativa e criativa. Um estudo alargado a diferentes contextos socioculturais e etários poderá, em investigações futuras, contribuir com elementos inovadores quanto às potencialidades da linguagem figurativa.

The singing act is a multiple reality as several authors refer to: the act of singing as a psychomotor process has been highlighted, as well as the self development process made possible by the discovery of the voice as an instrument, with all the expressive and communicative capacities, since early childhood. The voice’s multidimensional properties makes it a special vehicle for musical learning and artistic development, unifying in one single process the mobilization, strengthening and refinement of a psychomotor impulse, with the capacity of emotions, thoughts and aesthetic values communication. The invisible condition of the vocal instrument leads, traditionally, to the use of figurative speech and imagery as a facilitator of technical guidance and performance skills developer, as the studies with singing students and adult choirs confirm. The absence of studies focused in the children’s perceptive response to figurative speech was the main motivation for this study, which is centred in the use and utility of this pedagogic tool. Starting with the question “is figurative speech really a mean to enhance the acquisition and development of musical skills in children, and if so, how?” we developed a qualitative research, by means of a multiple case study. Two cases were studied in official schools, in generic and specialized regimes. The participants were six teachers and seven classes, with children from 6 to 18 year old. We aimed to gauge the circumstances, prevalence and advantages in the use of figurative speech in children and youth choir pedagogy, by identification of conceptual structures and mental schemes in teacher’s speech, inferring how is participates in the music perception and acquisition of technical and interpretative skills. The study aimed also to promote discussion on the ways and means by which choral practice integrates the musical learning process for children and young people in Portugal. Starting by deep bibliographic study, the main research instruments were interviews to teachers of generic and specialised branches and to choir singers, complemented with classes and rehearsals observation. The data analyse was inductive and interpretative, allowing to recognise the didactic function of figurative speech. We identified a pragmatic sense, with technical and expressive trend, in the use of figurative speech as a pedagogic tool. In the cases studied, we conclude that figurative speech assumes a rhetoric, aggregator and metacognitive function, recognised by teachers and children, mainly in the specialised school setting, and being scattering represented in the generic school setting. By inducing and suggesting physical sensations, conducting to technical and acoustic predictable results, the figurative speech used in this contexts lays down in the subject’s metaphoric psychomotor roots and allowed the acquisition of technical and interpretative skills. By integrating life contexts, this practice has influence in the pedagogic speech as well as in it’s decoding, a fact that is highlighted by the children participating in this study. This allows us to conclude that the collective sense of imagery and metaphor is understood by children in choral settings according to their experience, conceptual or symbolic frame, creating an intersubjective space – the transformed musical practice – where each one participates in the global, significant and creative musical learning experience. An extended study to different age and social and cultural settings, can, in further research, add some new contributions to the potentialities of figurative speech.