Bibliotecas virtuais e cibertecários

Autor: Eloy Rodrigues
Biblioteca da U.M. em Guimarães
Serviços de Documentação da Universidade do Minho

ÍNDICE

  1. Introdução
  2. O que são as bibliotecas digitais/virtuais
  3. Bibliotecas digitais: problemas, limitações e obstáculos
  4. Conclusões

Resumo:

A autêntica explosão na disponibilidade e acesso a informação electrónica em diversos formatos (texto, imagem, som, vídeo, etc.) terá um profundo impacto no futuro das bibliotecas e dos bibliotecários.

Tradicionalmente, as bibliotecas e os seus profissionais desempenham o papel de intermediários entre os utilizadores e os documentos ou fontes de informação. A evolução e "vulgarização" da Internet (mais de 30 milhões de utilizadores actualmente e, previsivelmente, várias centenas de milhões no final do século) e das futuras "auto-estradas de informação" irão remover os obstáculos tecnológicos no acesso à informação, permitindo aos utilizadores finais aceder directamente aos documentos electrónicos, independentemente da sua localização, sem intermediários e sem sairem das suas casas ou gabinetes.

Neste quadro, estarão as bibliotecas e os bibliotecários condenados ao desaparecimento ou marginalização? Seremos os dinossauros do século XXI? Nesta comunicação são debatidas algumas das possíveis missões e funções das bibliotecas (digitais/virtuais) e dos bibliotecários do ciberespaço (os cibertecários ). Defende-se que, pelo menos num futuro próximo, para serem utilizadas eficazmente as "auto-estradas de informação" necessitarão de "mapas", "guias" e "roteiros", "áreas de serviço" e "controladores de tráfego de informação". Essas funções requerem competências que os bibliotecários teoricamente possuem (ou deveriam possuir), mas salienta-se que se eles as não desempenharem desde já, outros o farão.


1. Introdução

Nos últimos dez anos, e em particular nesta primeira metade da década de 90, o crescimento do volume e da diversidade de informação electrónica e multimédia acessível em rede, e o constante aumento do número de pessoas que a utilizam, processaram-se a um ritmo que seria inimaginável há alguns anos atrás.

Em 1983, Wilfrid Lancaster, um dos mais respeitados profissionais e investigadores de ciências de informação, apesar de admitir a possibilidade das bibliotecas, tal como hoje as conhecemos, desaparecerem, afirmou que seria ainda preciso esperar muito tempo "before we can construct vast electronic networks that in response to a narrative request statment can select most appropriate information source and search it 'transparentely' to the user"(1) .

Hoje, os rudimentos desse tipo de rede estão já banalizados na Internet e pensamos que não serão necessários muitos mais anos para que os requisitos definidos por Lancaster estejam operacionais com um nível de desempenho aceitável(2) .

O ritmo de crescimento da Internet(3) e do número dos seus utilizadores(4) - que têm praticamente duplicado todos os anos(5) -, a explosão da produção documental em suporte electrónico e da sua acessibilidade através das redes, o empenhamento dos estados (visível na última reunião do G7) e a confluência das grandes empresas das indústrias de telecomunicações, informática, e da informação e entretenimento na construção das anunciadas auto-estradas da informação, são sinais mais que suficientes para percebermos que vivemos um período de rápida e intensa mudança que irá afectar as instituições onde trabalhamos e a forma como o fazemos.

O objectivo deste texto, que é uma versão revista e actualizada da comunicação apresentada ao Seminário As Universidades e os Novos Serviços de Informação Electrónica em Rede, realizado em Braga em Maio de 1995, é tentar fazer um ponto da situação do intenso debate, actualmente em curso, em torno das futuras bibliotecas digitais/virtuais e do papel que nelas desempenharão os bibliotecários.

2. O que são as bibliotecas digitais/virtuais

De que falamos, quando falamos de bibliotecas digitais? Não é possível apresentar uma definição precisa. Em primeiro lugar, como é óbvio, porque ainda estamos a iniciar a sua construção. Mas também porque as suas múltiplas designações - bibliotecas electrónicas, bibliotecas digitais, bibliotecas virtuais, e estes são apenas alguns dos nomes - são frequentemente utilizadas, em contextos e com significados por vezes diferentes, para representar um conceito ainda em evolução.

Do uso inicialmente predominante da designação "biblioteca electrónica", parece estar a caminhar-se para a aceitação do termo biblioteca digital como o que melhor representará a realidade emergente, podendo ficar reservado o nome de biblioteca virtual para as bibliotecas digitais que integrem no seu funcionamento e serviços técnicas e aplicações de realidade virtual.

Na definição da arquitectura e funções das bibliotecas digitais/virtuais existem também diversas perspectivas. Mas, de uma ou outra forma, é comum a todas elas a ênfase colocada no acesso remoto ao conteúdo e aos serviços das bibliotecas e outras fontes de informação (6) , na possibilidade de reproduzir, emular e ampliar os serviços das "bibliotecas tradicionais", aproveitando as potencialidades do armazenamento e comunicação digitais(7) para desenvolver serviços mais personalizados e "amigáveis", para promover o acesso e utilização de informação multimédia e reduzir as barreiras de distância (geográfica e organizacional) e tempo no acesso à informação (8) .

Este quadro comum de ideias e assunções, que constitui a base para os múltiplos projectos de investigação e desenvolvimento de bibliotecas digitais, pode ser resumido, em traços largos, em três pontos essenciais.

Em primeiro lugar, as bibliotecas digitais irão armazenar e dar acesso a volumes cada vez maiores de informação multimédia (texto, imagem, som, vídeo, etc.) em suportes digitais e diversos formatos, a par com a existência de documentos noutros suportes (nomeadamente o papel).

Em segundo lugar, as bibliotecas digitais estarão acessíveis aos seus potenciais utilizadores a qualquer hora e de qualquer lugar. E, contrariamente ao que até agora era normal, os utilizadores remotos da biblioteca poderão obter não apenas informação secundária e de referência, mas também informação primária (o conteúdo integral de documentos textuais, dados e informação factual, documentos multimédia, etc.).

Em terceiro lugar, as bibliotecas digitais permitirão, de forma transparente para os utilizadores, a pesquisa e o acesso às suas colecções locais ou a qualquer outra fonte de informação existente nas redes de comunicação onde estejam integradas. A possibilidade de ligação virtual entre todas as bibliotecas transformará cada uma delas num nó de uma biblioteca digital à escala planetária.

3. Bibliotecas digitais: problemas, limitações e obstáculos

Apesar do optimismo e entusiasmo com que hoje se discutem as características e as implicações das bibliotecas digitais, a sua concretização efectiva exige que sejam resolvidos e ultrapassados diversos problemas, limitações e obstáculos que ainda subsistem. Esses problemas são de diversa ordem (técnicos, sociais, organizacionais, etc.) e podem condensar-se em alguns tópicos fundamentais.

Em primeiro lugar, o problema do acesso às bibliotecas digitais. Para além das questões relacionadas com a garantia de acesso generalizado e democratizado (independentemente de limitações sócio-económicas, culturais ou geográficas - zonas, países e regiões mais desfavorecidas ou isoladas), que estão longe de estar resolvidas e que, por tradição e ética profissional, nos devem preocupar, existem limitações de natureza técnica que precisam ser ultrapassadas.

Para que as bibliotecas digitais possam ser utilizadas com eficiência é necessário que existam as infra-estruturas que suportem o acesso e a difusão dos seus serviços. É previsível que esses serviços, devido ao tipo de informação (digital e multimédia) que os integra e ao elevado grau de distribuição no seu funcionamento, originem um grande volume de tráfego nas redes de comunicação. Assim, infra-estruturas de rede com maior largura de banda e velocidade, arquitecturas, topologias e protocolos de rede que optimizem o tráfego em ambientes distribuídos, técnicas de compressão e armazenamento dos dados, etc., são condições prévias à existência de verdadeiras bibliotecas digitais.

Por outro lado, o acesso de diversos tipos de utilizadores, com diferentes formações culturais e educacionais e com distintos níveis de experiência e competência na utilização de recursos informáticos e técnicas de pesquisa, exigirá o desenvolvimento de aplicações que facilitem a utilização das bibliotecas digitais, garantam a qualidade e relevância dos resultados obtidos pelos seus utentes protegendo-os das "sobrecargas" de informação. Isto passa pela criação de interfaces realmente amigáveis e de agentes e ferramentas de pesquisa "inteligentes".

O segundo conjunto de problemas relaciona-se com a gestão, organização e descrição do fundo documental das bibliotecas digitais. Até hoje, os documentos electrónicos apenas têm imitado, noutro suporte, a estrutura dos seus antecessores em papel.

É prevísivel que o desenvolvimento da edição e da distribuição electrónica resulte no aparecimento de novos formatos, tornando obsoletos os actualmente existentes(9) . Esses novos formatos poderão reforçar algumas das características já presentes nos documentos digitais: a fluidez e transitoriedade, que podem resultar da facilidade e instantaneidade de edição e manipulação electrónica(10) , e a "deslocalização" (os documentos não precisam de estar armazenados num sítio, podendo conter ligações entre as suas várias subpartes, anexos, referências bibliográficas, etc., distribuídas por diferentes localizações).

Se somarmos a isto o crescimento acelerado do número de documentos electrónicos existentes na Internet e a possibilidade de se multiplicarem cópias e versões dos mesmos documentos, com localizações diversas e variáveis no tempo, ficamos com uma ideia das grandes dificuldades na identificação, organização e descrição dos recursos disponíveis.

Quem utilize frequentemente a Internet para pesquisar determinadas informações ou documentos certamente já ficou esmagado com a quantidade de informação (na maior parte dos casos irrelevante) recolhida, nervoso com o tempo que precisou de despender, perdido ou frustado por não ter encontrado algo de cuja existência não duvida, mas que se encontra escondido nalguma galáxia distante do ciberespaço.

Para que as bibliotecas digitais possam ser utilizáveis massivamente, oferecendo um mínimo de qualidade de serviços, será necessário aperfeiçoar ou desenvolver novos métodos de identificação, de catalogação, organização, classificação e indexação dos recursos electrónicos.

Por outro lado, como já foi dito, as bibliotecas digitais combinarão colecções locais, com a ligação a documentos existentes em qualquer parte do mundo. Colocam-se portanto diversas questões quanto à constituição, manutenção e gestão dos colecções locais e das ligações remotas.

Que documentos integrar nas colecções locais e como avaliá-los e seleccioná-los? Para além dos critérios relacionados com a sua qualidade e credibilidade, devem ser tomados também em conta os parâmetros da utilização local e da(s) acessibilidade(s) alternativa(s). Se as bibliotecas digitais permitem ampliar a substituição do conceito de "just-in-case" pelo do "just-in-time" na gestão das colecções documentais(11) , tal como nas bibliotecas tradicionais, só aparentemente a filosofia do acesso em vez da posse pode ser levada às suas últimas consequências. Se "ter acesso" conduzisse automaticamente a não "ter posse", o resultado imediato seria um gigantesco "engarrafamento" digital (mas bem real...) nas redes de comunicação, pondo mesmo em causa o acesso aos documentos. Que nível de redundância será necessário para que a biblioteca digital planetária possa realmente existir? E que fazer com as diferentes versões e alterações dos documentos electrónicos? Serão os arquivos um modelo para a gestão das colecções das bibliotecas digitais?

Uma terceira área de problemas na constituição de bibliotecas digitais são os que se prendem com a defesa dos direitos de autor e copyrights, sem pôr em causa o direito à informação e ao seu acesso universal, funções que as bibliotecas sempre têm desempenhado.

Não parece possível aumentar a quantidade e a qualidade da informação digital disponível, sem que os que participam no processo da sua produção e distribuição (autores, editores, bibliotecas, etc.) recebam o suporte financeiro correspondente. Mas que esquemas de propriedade, utilização e taxação da informação electrónica se devem estabelecer? Como definir preços e condições de utilização que não ponham em causa o acesso à informação, em condições de igualdade, por parte do conjunto dos cidadãos e que não contribuam para ampliar as desigualdades já existentes no acesso a esse recurso estratégico, no plano individual ou colectivo? Nesta matéria, poderiam ainda ser levantadas outras questões: serão eficazes legislações nacionais de defesa da propriedade intelectual, num (ciber)espaço onde não existem fronteiras? E não o sendo, parecem possíveis e viáveis harmonizações legislativas à escala planetária? Se parece justo defender os direitos dos autores, será que devem ser colocados no mesmo plano os direitos das empresas de edição e distribuição? Não será que a retirada de poder aos editores e distribuidores, propiciada pela edição electrónica, tem mais aspectos positivos que negativos, a começar pela baixa dos custos do acesso à informação?

De tudo isto podemos concluír que faltam ainda algumas condições para que as bibliotecas digitais sejam uma realidade utilizável e acessível em grande escala. Mas, não tenhamos ilusões: as bibliotecas digitais serão uma realidade num futuro não muito distante. O potencial tecnológico já existe (os problemas técnicos que ainda subsistem poderão ser resolvidos a curto/médio prazo) e as mudanças sociais, organizacionais e culturais necessárias parecem inevitáveis.

4. As bibliotecas digitais e o papel dos bibliotecários

Tradicionalmente, as bibliotecas e os seus profissionais têm desempenhado o papel de intermediários entre os utilizadores e os documentos ou fontes de informação. Como já referimos, a constituição de bibliotecas digitais irá contribuir para a "deslocalização" e "desintermediação" no acesso à informação.

Perante este cenário, que se pensa poder estar concretizado, nos aspectos essenciais, na viragem do milénio, não estarão as bibliotecas e os bibliotecários condenados ao desaparecimento ou à marginalização? Ou será que, ao contrário, as bibliotecas digitais representarão um desafio e uma oportunidade de intervenção acrescida?

Antes de tentar responder a estas questões, importa desde já estabelecer os limites dessas respostas. Em primeiro lugar, os futuros das bibliotecas e dos bibliotecários aqui antecipados são apenas futuros possíveis, não obrigatórios ou garantidos. A sua concretização depende de alguns factores que não podemos controlar, mas depende também da nossa atitude e do nosso empenhamento.

Em segundo lugar, esses futuros são os do curto ou médio prazo. A antecipação sobre como serão (e se ainda existirão) bibliotecas daqui por 30 ou 50 anos é um exercício de futurologia para o qual não estamos preparados ou vocacionados.

Então que farão os bibliotecários das bibliotecas digitais? Uma resposta possível é: o que sempre fizeram! Promover o acesso à informação, organizando-a, descrevendo-a, preservando-a e criando instrumentos que facilitem a sua localização e difusão.

No que diz respeito à promoção do acesso à informação, as bibliotecas, e em particular as bibliotecas públicas, têm um grande papel a desempenhar. Num país como Portugal, onde na esmagadora maioria dos lares (e, infelizmente, até em muitas escolas) escasseiam os livros e o computador ainda não consta da lista dos electrodomésticos, as bibliotecas públicas podem e devem ser a porta aberta para este novo mundo de informação digital e multimédia, o ponto de acesso ao ciberespaço, para aqueles que, por razões sócio-económicas e/ou culturais, não poderão ser cibernautas pelos seus próprios meios. Trata-se, simplesmente, de estender a missão das bibliotecas públicas, de promoção da leitura e do acesso à informação, às suas novas formas e suportes.

Para além da promoção do acesso, as competências "tradicionais" dos profissionais da informação são, talvez, a sua mais importante riqueza, o seu seguro de vida num ambiente em profunda mudança. Entre os problemas que apontamos na constituição de verdadeiras bibliotecas digitais, avultam aqueles para cuja solução são fundamentais os conhecimentos e as técnicas dos bibliotecários.

O excesso de informação, a desorganização, as dificuldades em identificar e localizar recursos, etc., que caracterizam actualmente a Internet fazem um forte apelo ao estabelecimento e utilização de princípios e técnicas de organização e identificação, de catalogação, classificação e indexação dos recursos. Pôr alguma "ordem" no "caos" da Internet, de onde estão a surgir as bibliotecas digitais, facilitando a sua utilização, será uma actividade altamente apreciada e reconhecida. Não estão os bibliotecários especialmente vocacionados para desempenhar um importante papel nesta tarefa?

Por outro lado, a resolução dos problemas relacionados com a constituição e distribuição das colecções das bibliotecas digitais, não pode ser feita apenas com base em critérios de optimização de tráfego e recursos computacionais. Os profissionais da informação têm já uma longa experiência acumulada nas tarefas da avaliação e selecção de documentos e fontes de informação. Apesar de alguns problemas específicos já enunciados, será que esta experiência não será útil em ambiente digital?

As competências "tradicionais" dos profissionais da informação poderão acrescentar valor aos serviços electrónicos em rede, já existentes ou em criação. Por isso, seria um erro dramático que fossem eles próprios a subestimá-las ou abandoná-las, em nome de um qualquer fascínio tecnológico.

Mas, se os bibliotecários continuarão a fazer o que sempre fizeram, também é verdade que o farão em condições substancialmente diferentes, que exigirão novos métodos e técnicas, novas competências e novas funcões.

Uma área onde é provável, pelo menos no curto prazo, uma intervenção acrescida dos profissionais da informação é a da formação dos utilizadores. Apesar do desenvolvimento de ferramentas e aplicações cada vez mais amigáveis e mais "inteligentes", para que os utilizadores tenham, de facto, acesso directo à informação com custos (nomeadamente em tempo) aceitáveis, continuará a ser necessária a transmissão de métodos e técnicas para a sua pesquisa, localização, selecção e manipulação. Isto é particularmente verdade no caso das bibliotecas públicas, onde o nível de conhecimentos e competências dos utilizadores, na manipulação de ferramentas informáticas e de técnicas de pesquisa, é muito diversificado (mas tendencialmente mais baixo que em outro tipo de bibliotecas).Assim, as bibliotecas públicas deverão não apenas promover a “leitura” (acesso à informação digital), mas também fomentar a “alfabetização” (domínio das técnicas e ferramentas necessárias para o acesso e manipulação dessa informação).

Também os serviços de referência, continuarão a ser necessários, pelo menos para alguns utilizadores ou em circunstâncias especiais. As formas da prestação de conselho e ajuda na localização e selecção de informação poderão ser variáveis: desde a tradicional comunicação presencial da entrevista de referência na biblioteca, até à utilização de audio e vídeoconferência para entrevistas remotas, passando pela prestação diferida do serviço (perguntas e respostas por correio electrónico, ou de forms de WWW, como já é realizado em múltiplas bibliotecas).

O crescimento da edição electrónica e a sua ampla utilização em diversas organizações, podem também criar novas oportunidades de intervenção aos profissionais da informação. Num ambiente de edição descentralizada, as competências de pesquisa, avaliação, tratamento (indexação e sumariação) e difusão de informação podem ser bastante úteis na produção e publicação electrónica de documentos. Neste domínio, as bibliotecas públicas portuguesas, a exemplo do que já acontece nos EUA ou na Inglaterra, podem ser fundamentais não só para a difusão da informação no interior da comunidade local que servem, mas também para a promoção e divulgação dessa comunidade no exterior. A criação de serviços de informação local (com conteúdos recreativos, culturais, turísticos e comerciais) acessíveis a partir de qualquer ponto do mundo, poderá ser um serviço de grande valor(12).

Finalmente, mas no topo das funções prioritárias, está a participação dos bibliotecários na construção e desenvolvimento das bibliotecas digitais. Os profissionais das bibliotecas não devem demitir-se das suas responsabilidades neste domínio. Se como homens, citando uma bela máxima, nada de humano nos é estranho, como bibliotecários, nada nas bibliotecas nos pode ser estranho.

É necessário que nos assumamos como parceiros, dos técnicos de informática e outros participantes, na pesquisa, design e concretização de sistemas de informação mais eficientes e mais amigáveis.

Se soubermos e pudermos desempenhar o conjunto destas funções (e talvez outras que não conseguimos ainda antecipar), então não há razões para receios quanto ao futuro das bibliotecas e dos seus profissionais.

Contribuindo para organizar, localizar e facilitar o acesso à informação existente no ciberespaço, estaremos a fornecer alguns "mapas", "guias" e "roteiros" que permitirão aos utilizadores das "auto-estradas da informação" fazer viagens mais seguras e mais rápidas. Organizando e facultando serviços de formação e referência, e participando no processo de produção e edição de informação electrónica poderemos ser as "áreas de serviços" às quais recorrerão todos os viajantes destas auto-estradas, sempre que tenham problemas ou dificuldades.

Todos sabemos da utilidade destes recursos nas auto-estradas de alcatrão. Não há razão para pensar que não será assim nas "auto-estradas da informação".

5. Conclusões

Talvez nunca como hoje se fale tanto em bibliotecas e, como se refere num relatório de 1994, a biblioteca digital já não é apenas uma preocupação, relativamente obscura, de poucas pessoas nas disciplinas da informática e da biblioteconomia, mas antes um tópico popular de pesquisa de muitos grupos(13) . Isto pode representar uma grande oportunidade para os profissionais da informação.

O acelerado (e em muitos aspectos caótico) crescimento da Internet torna cada vez mais urgente e necessário o aparecimento de serviços de informação de valor acrescentado, como aqueles que podem ser prestados pelas bibliotecas digitais. Por isso, nos parece inevitável que elas sejam criadas. Se nós não o fizermos, e desde já, outros o farão. A questão, portanto, é saber se a biblioteca digital será criada connosco, ou se queremos correr o risco de a ver criada à nossa margem, ou mesmo contra nós.

Em países como Portugal, onde os hábitos de utilização de bibliotecas e o reconhecimento da sua importância pelo conjunto da sociedade são relativamente reduzidos, este desafio talvez seja ainda mais importante. A utilização da Internet pelas bibliotecas pode aumentar a sua visibilidade e o seu prestígio e atrair novos utilizadores. Mas, as graves limitações da qualidade e diversidade dos recursos e serviços, que caracterizam muitas bibliotecas portuguesas representam uma séria ameaça. Será possível construirmos bibliotecas virtuais sem termos bibliotecas reais?


NOTAS:

(1) - LANCASTER, F. Wilfrid - Future librarianship: preparing for an unconventional career. Wilson Library Bulletin , 57(9), May 1983, pp. 747-753, p. 750

(2) - Consideramos que os servidores WAIS e as ferramentas de pesquisa no espaço WWW (WebCrawler, WWWW, etc.) podem ser considerados como esboços, ainda muito rudimentares, de serviços desse tipo. Por outro lado, a investigação e o desenvolvimento de protótipos, actualmente em curso, na área das bibliotecas digitais (cujos objectivos correspondem aos requisitos definidos por Lancaster), podem começar a ter resultados práticos significativos no decorrer dos próximos anos.

(3) - 4 852 000 hosts (computadores com endereço IP) em Janeiro de 95. Fonte: URL: ftp://ftp.isoc.org/charts/90s-host.txt

(4) - Mais de 30 milhões de utilizadores de correio electrónico e cerca de 15 milhões de utilizadores dos serviços interactivos (Gopher, WWW, wtc.). Estes números são calculados a partir dos dados incluídos em MIDS PressRelease: New Data on the size of the Internet and on the Matrix (URL: http://www.tic.com/mids/pressbig.html ), onde com base num inquérito realizado se estimava que, em Outubro de 1994, o número de utilizadores com acesso aos serviços interactivos (WWW, Gopher, etc.) era de 13,5 milhões e o número de pessoas com acesso a correio electrónico seria de 27,5 milhões).

(5) - Alguns dados sobre o crescimento e a evolução da Internet, e da sua população utilizadora, podem ser encontrados nos servidores da Internet Society (ISOC) - URL: http://www.isoc.org/ - e da Matrix Information and Directory Services (MIDS) - URL: http://www.tic.com/mids/

(6) - Para Gapen biblioteca virtual é "the concept of remote acess to the contents and services of libraries and other information sources, containing an on-site collection of current and heavly used materials in both print and electronic form, with an electronic network wich provides acess to, and delivery from, external worldwide library and commercial information and knowledge sources." - GAPEN, D. Kaye - The virtual library: knowledge, society and the librarian, in The virtual library: visions and realities, Westport, Meckler, 1993, p.1

Nos termos do projecto da Universidade de Michigan "...'a digital library' is the generic name for federated structures that provide humans both intellectual and physical access to the huge and growing world wide networks of information encoded in multi media digital formats."University of Michigan Digital Library Project - Digital Library Project Research Proposal - URL: http://http2.sils.umich.edu/UMDL/Proposal/1summary.html

(7) - "A DIGITAL LIBRARY is an assemblage of digital computing, storage, and communications machinery together with the content and software needed to reproduce, emulate, and extend the services provided by conventional libraries based on paper and other material means of collecting, cataloging, finding, and disseminating information. A full service digital library must accomplish all essential services of traditional libraries and also exploit the well-known advantages of digital storage, searching, and communication"- GLADNEY, Henry M., et al. - Digital Library: Gross Structure and Requirements: Report from a March 1994 Workshop , in Digital Libraries'94 - Proceedings of the First Annual Conference on the Theory and Practice of Digital Libraries, URL: http://atg1.wustl.edu/DL94/paper/fox.html

(8) - BIRMINGHAM, William P., et al. - The University of Michigan Digital Library: This is not your father's library , in Digital Libraries'94 - Proceedings of the First Annual Conference on the Theory and Practice of Digital Libraries , URL: http://atg1.wustl.edu/DL94/paper/umdl.html

(9) - WIEDERHOLD, Gio - Digital Libraries, Value and Productivity, in Communications of the ACM, 38(4), April 1995, pp. 85-96. Existe uma versão em Postscript disponível no seguinte URL: http://db.stanford.edu/pub/gio/1995/acmfinal.ps

(10) - Ainda que concordemos com as reservas colocadas por Levy and Marshall, quanto à pretensa dictomia papel=fixo e permanente e digital=fluído e transitório. Ver LEVY, M. ; MARSHALL, Catherine C. - Washington's white horse? A look at the assumptions underlying digital libraries , Digital Libraries'94 - Proceedings of the First Annual Conference on the Theory and Practice of Digital Libraries , URL: http://atg1.wustl.edu/DL94/paper/levy.html . Uma versão mais recente deste texto foi publicada nas Communications of the ACM - LEVY, M. ; MARSHALL, Catherine C. - Going digital: a look at Assumptions Underlying Digital Libraries, in Communications of the ACM, 38(4), April 1995, pp. 77-83

(11) - CORRALL, Sheila - Information Specialists of the future: professional development and renewal, in Information Superhighway: the role of librarians, informations scientists, and intermediaries, 17th International Essen Symposium, 24-27 Oct. 1994. Essen, Universitätsbibliothek Essen, 1995, pp. 1-11, p. 5

(12) - Para além da promoção da imagem da comunidade/região junto de potenciais investidores e/ou turistas, lembremo-nos da importância da possibilidade de manutenção de um contacto diário com os emigrantes espalhados pelo mundo. Aliás, refira-se que as consultas às versões electrónicas de jornais portugueses (J.N. e Público) originárias da Europa e da América, representam cerca de 68% das consultas totais a esses serviços, e cifram-se já em vários milhares por dia.

(13) - GLADNEY, Henry M., et al., op. cit.

Monday, 27 de November de 1995 - 13:55:11